09/12/2022 às 07h31min - Atualizada em 09/12/2022 às 07h31min

Das bombas à glória: a história de Luka Modric, um craque forjado na guerra

Adversário da Seleção Brasileira, meia de 37 anos cresceu em meio aos bombardeios pela independência da Croácia nos anos 1990

gauchazh
Meia é um dos maiores ídolos da história recente de seu país - Gabriel Bouys / AFP
Adversária do Brasil nesta sexta-feira (9), a seleção da Croácia foi descrita pelo técnico Tite como resiliente. A resiliência é a capacidade de conseguir voltar ao seu estado normal. Poucos povos demonstraram essa habilidade ao longo dos séculos quanto os croatas. São mais de mil anos em que o território é organizado, dividido, expandido e redesenhado após conflitos e guerras.

A última delas ocorreu entre 1991 e 1995, quando aconteceu a primeira parte da dissolução da Iugoslávia. Dos 26 jogadores aptos a enfrentar a Seleção Brasileira pelas quartas de final da Copa do Mundo, 16 viveram a Guerra de Independência da Croácia.

Dessa quase duas dezenas de atletas, nenhum sofreu tanto quanto Luka Modric, capitão e principal jogador da seleção nos últimos anos. Quando ele começar a disputar um lugar em mais uma semifinal de Mundial, estará vivendo às vésperas do aniversário da morte de seu avô.

Vovô Luka, de quem o meia do Real Madrid herdou o nome, era o responsável por cuidar do neto enquanto os pais da criança trabalhavam. Logo no começo da batalha, ele foi morto na quadra em que morava pela ofensiva sérvia. Modric era uma criança de seis anos. 

Ainda sob luto, os Modrics fugiram do pequeno vilarejo de Modrici. A casa da família foi incendiada. Em entrevistas, o jogador revelou que ainda recebe fotos do que sobrou do local. Não há outras habitações em volta. O que restou foi um pequeno prédio de pedra destruído em uma área ainda considerada um campo minado.

Um campo de refugiados em Makarska foi o destino da família. Meses depois, em abril de 1992, eles se transferiram para Zadar. Na cidade na Costa da Dalmácia, foram colocados no Hotel Kolovare, onde foi improvisado um centro de exílio para as vítimas do conflito. Enquanto o pai lutava pela independência da região, Modric fazia do estacionamento do hotel o campo de sua Copa do Mundo. Foram sete anos morando em hotéis com condições precárias, com falta de eletricidade e água encanada.

Apesar de estar em uma região mais segura, os horrores da guerra assobiavam sobre a cabeça dos moradores de Zadar. No momentos que os silvos e as explosões de mísseis e granadas eram ouvidos, Modric saia em disparada, sem esquecer de sua bola, até um abrigo.       

— O meu coração se parte cada vez que eu penso no meu avô morrendo, literalmente na frente de casa — revelou o camisa 10 croata em sua autobiografia.

Apesar do êxito político dos croatas, o conflito abalou a economia, deixou mais de 20 mil mortos e marcou para sempre a vida e a carreira de Modric.

— A guerra me fez mais forte. Foram tempos muito duros e muito dolorosos, não só para mim, mas para toda a minha família, amigos e toda a Croácia. Não quero viver aquilo de novo nunca mais, mas também não quero esquecer. Afinal, aquilo tudo me fez ser a pessoa que sou hoje. Hoje sou alguém muito mais forte e pronto para enfrentar tudo — disse o meia, quando ainda defendia o Tottenham.

Após despontar no futebol inglês, entre 2008 e 2012, Modric foi comprado por 35 milhões de euros pelo Real Madrid, onde ganhou cinco vezes a Liga dos Campeões e se tornou o melhor jogador do mundo, em 2018. 

Com uma rica experiência no futebol e sobretudo na vida, o meia de 37 anos acaba se destacando na seleção croata pela liderança, sobretudo diante dos mais jovens.

— Modric é um capitão com "C" maiúsculo. Tem muita influência no grupo sobretudo com os mais jovens. Recentemente, o nosso goleiro, Livakovic, não estava jogando bem e sofria com falta de confiança. Então, o Modric o chamou em um canto e disse, olho no olho: "você é um grande goleiro, mas precisa confiar em você". O resultado nós vimos contra o Japão (quando Livakovic defendeu três pênaltis) — conta o jornalista Ramic-Kovacic Dameo, da rede de rádio e televisão HRT, da Croácia.

A liderança é tão grande que o capitão croata acaba sendo uma espécie de "auxiliar-técnico informal" do técnico Zlatko Dalic na seleção.

— Para muitos no grupo, ele é um ídolo. Para outros, ele é um amigo. Um desses é o Zlatko Dalic, que reconhece a inteligência tática de Modric. Em muitos casos, ele e o treinador conversam sobre questões táticas e problemas da equipe como parceiros, sem aquela hierarquia entre comandante e comandado — completa Dameo.

Questionado sobre o jogo desta sexta, Modric reconhece o favoritismo brasileiro, mas garante que a Croácia irá impor dificuldades.

— Jogaremos o futebol que sabemos jogar. Às vezes, jogamos melhor. Às vezes, não tanto. Mas não pouparemos esforços para representar o nosso país da melhor maneira. Estamos preparados para dar o melhor de nós e este é nosso único pré-requisito para o jogo de amanhã: fazer o nosso melhor — exigiu o meia.

A Guerra Civil Iugoslava durou 10 anos. Entre 1991 e 2001 o território iugoslavo foi repartido em Croácia, Bósnia e Herzegovina, Eslovênia, Macedónia (atual Macedônia do Norte), Montenegro, Sérvia e Kosovo. Os conflitos geraram a estranha situação vivida pelo meia Dejan Stankovic. Ao jogar a Copa do Mundo por Iugoslávia (1998), Sérvia e Montenegro (2006) e Montenegro (2010), se tornou o único jogador a defender três países diferentes em Mundiais. 

Com a mistura da experiência de vida e da ascendência sobre os companheiros, Modric chega para liderar a Croácia em mais um confronto contra a Seleção Brasileira. Diante da história do capitão adversário, Tite escolheu as palavras certas para definir o seu rival por uma vaga nas semifinais.


Link
Tags »
Notícias Relacionadas »
Comentários »
Comentar

*Ao utilizar o sistema de comentários você está de acordo com a POLÍTICA DE PRIVACIDADE do site https://vitalnews.com.br/.
Fale pelo Whatsapp
Atendimento
Precisa de ajuda? fale conosco pelo Whatsapp