14/08/2023 às 22h34min - Atualizada em 14/08/2023 às 22h34min

Mais de 2 mil crianças não recebem o nome do pai este ano em Alagoas

Conforme a Arpen, em todo o ano de 2022 foram 3.251 recém-nascidos sem o genitor no registro civil

Redação
Por Tribuna Independente
Em Maceió, das 9.154 crianças registradas este ano, 587 não têm o nome do pai identificado no documento, conforme dados da Arpen - Foto: Adailson Calheiros
De primeiro de janeiro deste ano até o último dia 2, das 26.456 crianças registradas em Alagoas, 2.023 estão sem a identificação paterna. Em todo ano de 2022, dos 46.073 recém-nascidos, 3.251 receberam a certidão de nascimento sem o nome do genitor no documento. As informações foram extraídas do Portal da Transparência da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen).

Na capital Maceió, dos 9.154 registros de nascimento emitidos até o dia 2 deste mês, 587 documentos não constam o nome do pai. Em todo o ano passado, das 14.998 certidões de nascimento, 814 foram confeccionadas sem a identificação paterna.

A ausência do nome e sobrenome paterno não deixa uma lacuna apenas no documento, mas na vida da criança que crescerá sem a referência da família paterna. Muitas dessas pessoas, ao se tornarem adultas procuram a Justiça em busca de reparação.

Segundo a Arpen/Alagoas, no ranking alagoano de municípios cujos registros, no primeiro semestre de 2023, não constam a identificação paterna estão, depois de Maceió, Arapiraca (258), União dos Palmares (57), Palmeira dos Índios (53), Penedo, Teotônio Vilela e Rio Largo, empatados com 43, Delmiro Gouveia (33), Coruripe (31) e Atalaia (24).

O registro civil é o primeiro documento que confere cidadania a quem acaba de nascer. Emissão gratuita da Certidão de Nascimento é garantida por Lei Federal. Só de posse da certidão é possível retirar outros documentos civis, como a carteira de trabalho, a carteira de identidade, o título de eleitor e o Cadastro de Pessoa Física (CPF). Além disso, para matricular uma criança na escola e ter acesso a benefícios sociais, a apresentação do documento é obrigatória.

Toda vez que um pai se nega a registrar um filho, o reconhecimento da paternidade deverá ser feito através de uma ação de investigação de paternidade.

No Brasil, mais de 5 milhões de crianças não têm o nome do pai no registro civil de nascimento. Os números são do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Abandono paterno pode causar danos emocionais para a vida toda

O abandono paterno pode causar danos emocionais que perduram a vida toda. É tanto que, no mundo virtual das redes sociais, o abandono paterno tem sido comparado ao aborto feminino.

Ter o nome do pai e da mãe na certidão de nascimento é um direito fundamental de toda criança, garantido na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Visando minimizar esse problema, o Núcleo de Promoção da Filiação (NPF), do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ/AL), ajudou na inclusão do nome do pai ou da mãe no registro civil de mais de 10,3 mil pessoas. A metodologia, que utiliza um modelo psicossocial e de procura proativa pelos genitores, foi desenvolvida pela juíza Ana Florinda, coordenadora do núcleo.

A juíza Ana Florinda conseguiu o reconhecimento espontâneo em 61% dos casos, desde a criação do núcleo, em 2008. Segundo a assessoria de comunicação do TJ/AL, a atuação do NPF fez com que o percentual de crianças de Maceió registradas sem o nome do pai caísse de 20% para 6%. A atuação do Núcleo faz parte do projeto Desburocratizando o Acesso ao Direito à Filiação.

Em 2022, foram 663 reconhecimentos viabilizados pelo Núcleo. Em 2023, até o momento, foram 296. Há atualmente 1.771 processos do tipo em andamento no NPF. O Núcleo atua apenas em Maceió.

O TJ/AL salientou que esses números de reconhecimento incluem também os reconhecimentos de maternidade. Além do valor afetivo, explicou o órgão, a ausência do registro de um dos genitores causa constrangimento e exclusão. Para fazer o registro tardio de paternidade ou de maternidade, a pessoa deve buscar a Justiça ou a Defensoria Pública. Quando não houver o reconhecimento, é feito o ajuizamento da chamada Ação de Investigação de Paternidade.

“O Núcleo visita as escolas, identifica as crianças que não têm o registro completo, convoca as famílias para uma reunião com psicólogos e assistentes sociais para buscar informações sobre o caso, depois localiza o genitor ausente e, em uma audiência de conciliação, busca o reconhecimento espontâneo”, detalhou a magistrada Ana Florinda.


A procura acontece mesmo com a ausência de alguma informação, como nome completo ou endereço, o que torna necessária a busca por meio de outras referências, a exemplo das redes sociais.

Ainda conforme o Tribunal de Justiça, as ações do NPF contribuem ainda para o desafogamento do Poder Judiciário, economizando tempo e recursos financeiros. “Um caso no NPF é mais rápido e custa 30% do valor de um processo de Investigação de Paternidade. Nunca é só um nome em um papel. É o reconhecimento e registro de toda uma história de vida e isso tem um impacto emocional muito grande nas pessoas”, disse Ana Florinda.

O trabalho abrange o reconhecimento de paternidade, a realização de exames de DNA em parceria com laboratórios conveniados com o Tribunal, acordos de alimentos, guardas e convivência são algumas das etapas das ações do NPF.

Isso porque existem os casos raros em que a mãe abandona o bebê com o pai (às vezes são usuárias de drogas), e há também pessoas adultas que procuram o NPF por não ter o nome da mãe no registro, por conta de uma regra da legislação que existia no passado no Brasil. Um filho gerado fora do casamento não poderia ser registrado por ambos os pais se um dos dois estivesse casado com outra pessoa. Tinha que escolher ser registrado pelo pai ou pela mãe.

A psicóloga Luciana de Araújo Vieira salientou que as consequências causadas pelo não-reconhecimento da paternidade devem ser apreciadas de maneira singular e especializada, entretanto, a literatura sobre a temática nos aponta alguns sentimentos em comum.

“A pessoa pode apresentar um sentimento de vazio, tristeza, abandono, discriminação, constrangimento (sobretudo em matrículas, documentos), rejeição, agressividade, baixa estima, insegurança, vergonha revolta e rebeldia (sobretudo se houve omissão, inverdade ou uma ‘morte inventada’ do pai biológico), ou seja, prejuízos no desenvolvimento psicológico e cognitivo, que podem atrapalhar o desenvolvimento e as relações sociais diversas”, detalhou Luciana Vieira que é Perita Judicial do TJ/AL na 26ª Vara Cível da Capital-Família, no Fórum Regional da Ufal.


Ainda conforme Luciana Vieira, o reconhecimento de paternidade é um direito legal de filiação, ratifica que cada pessoa tem um pai e uma mãe, é legitimado o resgate de nossa origem, sacramentado por um sobrenome, inserindo o genitor numa relação de direito e de deveres, porém, não é o determinante garantidor do laço afetivo.

“O efeito do reconhecimento paternal vai além do vínculo consanguíneo. É também subjetivo pra cada indivíduo. Qual foi a motivação além do direito? A busca pelo reconhecimento se deu em que fase da vida? Já foi na vida adulta?”, frisou Luciana Vieira.


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